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Um ícaro na costa oeste

O trampolim ficou pequeno para aquele antigo saltador. Mas as pontes de Los Angeles o desafiavam

Paramentado de tênis, camiseta e uma sunga, Andreasen pulou da ponte de Long Beach, na Califórnia, a uma altura de 50 metros (Reprodução / Los Angeles Times)

Passava das seis da tarde de 29 de setembro de 1988, uma quinta-feira, quando o americano Larry Andreasen parou o carro ao lado da ponte Gerald Desmond, na região de Los Angeles. Paramentado de tênis, camiseta e uma sunga, ele caminhou até a beirada da ponte, acenou para um grupo de policiais incrédulos que o miravam 50 metros abaixo e atirou-se nas águas do porto de Long Beach.


O planejamento daquela operação começou meses antes. Inspirado pelos Jogos Olímpicos de Seul, que aconteceriam mais tarde naquele ano, Andreasen lembrou-se de seus tempos de mocidade, quando foi às Olimpíadas de Tóquio, em 1964, e levou a medalha de bronze na prova do trampolim de 3 metros. Aos 42 anos, duas décadas depois da aposentadoria, decidiu testar se ainda estava em forma. Numa piscina da vizinhança, passou a treinar para dar um mergulho comparável a um prédio de 16 andares.


Do alto de seu 1,63 metro, o ex-atleta lançou-se ao mar com os pés para baixo, como reza a cartilha de segurança para grandes saltos, e caiu com o corpo perfeitamente na vertical. O impacto, porém, foi pior do que imaginara: seus braços ficaram dormentes e ele precisou nadar de costas, usando só as pernas, até um cais nas proximidades. De lá foi pescado pelos policiais, multado pela transgressão e levado a um hospital. No dia seguinte, com os músculos ainda castigados, anunciou a jornalistas sua segunda aposentadoria. “Para mim, chega de mergulho”.

Andreasen (esq.) resgatou um atleta japonês acidentado da psicina e ganhou o carinho da torcida (Reprodução)

A paixão de Andreasen pelo esporte tinha raízes na adolescência, quando trabalhava entregando jornais. Uma de suas clientes era Pat McCormick, dona de quatro ouros olímpicos nos saltos ornamentais nos anos 50, que o convidou a experimentar a piscina do quintal de casa. Quatro anos depois, aos 18, ele garantiu vaga nas Olimpíadas de Tóquio.


Sua passagem pelo Japão teve um significado que extrapolou a medalha de bronze. Durante a rodada classificatória, enquanto aguardava ao lado da piscina para saltar em seguida, viu um adversário japonês bater a cabeça no trampolim e tingir a água de vermelho. Sem pensar duas vezes, mergulhou e salvou o atleta da casa, que precisou abandonar a prova e levar 16 pontos na cabeça. Com o resgate, virou queridinho da torcida.


Passados os Jogos, o americano passou a fazer apresentações em parques aquáticos, como o Sea World. Ele ainda tentou vaga para a Olimpíada do México, em 1968, mas estava enferrujado e não se classificou. Pendurou as chuteiras, passou a trabalhar para o pai numa loja de peças de avião e não voltou a saltar até aquele fim de tarde na ponte, 20 anos depois.


Andreasen nem soube justificar com clareza seu desatino inesperado àquela altura da vida. Estava divorciado, com uma filha e há muito afastado da modalidade. Ouvira falar que poderia bater o recorde mundial se saltasse a 150 pés (pouco mais de 45 metros), mas não tinha como construir uma plataforma daquela altura. Dirigindo pela ponte Gerald Desmond, resolveu que ali era o lugar. Mas não revelou a ninguém suas intenções, nem mesmo à família. Quando soube, o pai dele se disse preocupado porque aquele local era um conhecido point de suicidas, mas ficou aliviado quando o filho disse ter matado a vontade com aquele salto e decidido parar de vez.


Só que Andreasen não parou. Dois meses mais tarde, lá estava ele na beira de uma ponte ainda mais alta, a Vincent Thomas, disposto a pular da insana altura de 61 metros, algo como um edifício de 20 andares e acima do recorde atual para este tipo de salto, que é de 58,8 metros, segundo o Guiness. Andresen não saltou: foi convencido pela polícia do perigo, recuou da tentativa após 45 minutos de negociação e acabou encaminhado a um hospital psiquiátrico, onde passou três dias em observação.


Teve início então, a partir desse ponto, um jogo de gato e rato entre Andreasen e os abnegados policiais que cuidavam do porto. Às vezes ele subia na ponte para tentar saltar, noutras só para mirar o oceano. Escalava inclusive a torre principal, a mais de cem metros de altura, e sempre era persuadido a descer pelos agentes, que chegaram a prendê-lo.


Em março de 1990, seus pais decidiram interná-lo novamente, ”para a segurança dele”. Num belo dia no final de outubro, porém, Andreasen aproveitou uma porta destrancada no recinto, fugiu e ficou desaparecido por dois dias. O pai, que o havia visitado na véspera e não percebeu nada de anormal, saiu pela rua em seu encalço. Quando chegou à delegacia do porto de Long Beach, pouco antes das dez da manhã do dia 26, era tarde demais. O corpo sem vida de Andreasen já estava sendo retirado da água pelos policiais, que não o viram subindo na ponte daquela vez.


Aos 44 anos, Andreasen escapou de um hospital psiquiátrico, voltou à ponte de Long Beach e saltou para a morte (Reprodução / Dayton Daily News)

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