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Adeus, Jogos velhos

Astros da NBA desfilaram por Barcelona e simbolizaram a nova Olimpíada pós-Guerra Fria


Jordan recebe a medalha de ouro com uma bandeira enrolada no ombro: ele precisou esconder a logomarca na jaqueta porque era patrocinado pela concorrente (Reprodução / Olympic Channel)

A cerimônia de premiação do basquete masculino nas Olimpíadas de 1992, em Barcelona, foi a coroação de uma equipe que cumpriu o esperado e arrasou todos os adversários. Liderado pelos astros Michael Jordan, Magic Johnson e Larry Bird, o time americano venceu o torneio marcando mais de 100 pontos em todas as oito partidas. Chamados ao pódio para a entrega das medalhas de ouro, alguns jogadores apareceram enrolados em bandeiras dos Estados Unidos. O gesto, que parecia uma demonstração de patriotismo, era na verdade a solução para um conflito de marketing no badalado Dream Team.


Uma das empresas envolvidas, a Reebok, havia pago 2 milhões de dólares ao Comitê Olímpico dos Estados Unidos para fornecer à seleção os agasalhos que os atletas deveriam vestir na premiação. Só que seis membros do time, incluindo Michael Jordan, eram patrocinados pela Nike e se recusavam, por lealdade comercial, a usar o uniforme com o nome da concorrente sobre o ombro direito. Após dias de discussão entre jogadores e dirigentes, numa novela que chegou a receber mais atenção que os resultados do time, Jordan resolveu o imbróglio com a ideia das bandeiras, no que foi seguido por parte dos colegas.


A disputa empresarial foi uma das marcas desses Jogos, os primeiros depois do fim da Guerra Fria. A União Soviética tinha sido dissolvida tão em cima da hora, em dezembro de 1991, que obrigou a Rússia e mais 11 países recém-independentes a competirem juntos sob o manto de uma "Equipe Unificada", criada às pressas.


O evento foi o funeral não só do bloco comunista, mas dos arcaicos ideais de amadorismo que orientaram o movimento olímpico desde sua criação até começarem a cair, obsoletos, na década de 1970. Por muito tempo, atletas que desejavam ir à Olimpíada eram proibidos de ganhar dinheiro com o esporte. Em Barcelona, enfim, ninguém mais precisava fingir.


Para o basquete, as últimas amarras contra o profissionalismo caíram em 1989, quando os dirigentes liberaram a participação olímpica dos atletas da NBA. Habituado a receitas bilionárias, o torneio de basquete norte-americano já era à época uma das maiores ligas esportivas do mundo.


Michael Jordan viveu a transição entre duas épocas. Em 1984, ainda no basquete universitário, foi ouro nas Olimpíadas de Los Angeles em um time formado apenas por amadores, como ele. Naquele mesmo ano, porém, foi selecionado pelo Chicago Bulls no draft da NBA (recrutamento anual de talentos) e sua carreira explodiu. Em 1992, segundo a revista Forbes, havia amealhado 35,9 milhões de dólares e garantido o posto de atleta mais bem pago do mundo.


Convidado a integrar o Dream Team, Jordan relutou. Não via sentido em interromper suas férias para buscar uma medalha que ele já tinha. Só ficou convencido quando outras estrelas resolveram participar. “Representar meu país era algo grandioso. Mas eu acho que a maior motivação, para mim, foi poder passar um tempo com os caras contra quem eu competia o tempo todo”, disse Jordan em um documentário lançado pela NBA em 2012 para comemorar os 20 anos do evento.


Formado o esquadrão, era preciso obter uma vaga para as Olimpíadas na seletiva continental. Disputada um mês antes das Olimpíadas em Portland, nos Estados Unidos, a Copa América foi um passeio. A equipe atropelou os seis oponentes, marcando em média 121 pontos por jogo e sofrendo 70, e sentiu os primeiros sinais da tietagem que cercaria o grupo dali em diante. A partida de estreia, contra Cuba, atrasou alguns minutos para que os atletas caribenhos tirassem fotos com seus ídolos.


Antes de chegar à Espanha, o Dream Team passou uma semana em Monte Carlo, reduto de milionários no principado de Mônaco. Lá os atletas treinaram um pouco e fizeram um amistoso contra a França, mas em geral passavam o tempo jogando cartas ou na praia, dando autógrafos para animados turistas bronzeados. Jordan e o técnico, Chuck Daly, jogavam golfe quase todo dia.

Quando se viu desfilando por Barcelona como um astro de rock, Charles Barkley pensou: "se a gente perder, vai ser a maior zebra da história"


Em Barcelona, os jogadores foram à Vila Olímpica, lar de mais de 9 mil atletas por duas semanas, apenas uma vez, para pegar suas credenciais. Após a visita, que arrastou um séquito de fãs, o Dream Team se dirigiu ao Hotel Ambassador, cuja diária poderia ultrapassar 900 dólares. O local foi preparado com um esquema de segurança que incluía atiradores de elite no topo de prédios vizinhos e o acompanhamento constante de viaturas, motos e até de um helicóptero.


Por muito tempo, os EUA reinaram no basquete olímpico sem precisar de profissionais. No final da década de 1980, contudo, o mundo deu um salto de qualidade e os americanos começaram a passar aperto. Em 1987, jogando em casa, perderam a final dos Jogos Pan-Americanos para o Brasil, em Indianápolis. No ano seguinte, nas Olimpíadas de Seul, caíram diante da União Soviética na semifinal e pela primeira vez na história deixaram de jogar a decisão pelo ouro.


Convocado para restabelecer o domínio americano, o Dream Team nunca pareceu ameaçado em Barcelona. Na estreia contra Angola, o placar de 116 a 48 foi menos comentado que uma cotovelada de Charles Barkley no angolano Herlander Coimbra. Já com fama prévia de bad boy, Barkley passou o restante das Olimpíadas reconstruindo a própria imagem: atendia jornalistas e torcedores com uma solicitude sem paralelo no time.


Só diante da Croácia, na final, os EUA encontraram algum obstáculo e foram para o intervalo com 14 pontos de vantagem, uma dianteira magra considerando o retrospecto até ali. Quando soou a sirene final o placar apontava 117 a 85, o que foi a vitória mais apertada no caminho até o ouro.


O drama acabou concentrado na luta pelo bronze. Recém-independente após o desmanche soviético, a Lituânia concorria pelo terceiro lugar justamente contra a Equipe Unificada, o ajuntamento da Rússia e seus ex-satélites. Os lituanos, que haviam perdido de virada para os antigos colegas na primeira fase, viam a revanche como única forma de "evitar uma tragédia nacional", nas palavras do astro do time, Arvydas Sabonis. Em um jogo parelho, a Lituânia triunfou por 82 a 78 e compôs o pódio histórico ao lado do Dream Team.

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